A HISTÓRIA DE CASTRO ATRAVÉS DAS ATAS DO LEGISLATIVO MUNICIPAL
           
AS PEQUENAS AÇÕES ESCREVERAM A GRANDE HISTÓRIA

Prof.ª Luciane Paula Corá Molin

            A História do Brasil tem suas riquezas e particularidades, que não envolvem somente aspectos ligados a sua economia ou política. Partilhamos de experiências culturais imensas e ecléticas, pois de certa forma, recebemos influências fortíssimas, não somente do Continente Europeu, mas dos que aqui já se encontravam. "Índios", por uma grande confusão geográfica do século XIV, deveriam ser chamados já de brasileiros. O continente africano com sua mão-de-obra escrava, para alguns historiadores passiva, e outros como a continuação de um costume tribal do povo africano, principalmente de Angola e do Congo.
            Séculos mais tarde, era esperada a vinda dos imigrantes europeus, que tentaram "a sorte" na América, fugindo de seus conflitos políticos internos. Essa mistura de etnias, genes e povos, e não de raças, como eu particularmente afirmo e acredito, deu origem a essa mescla de valores e personalidades, com sua religiões, tradições e costumes.
            De forma didática poderemos compreender esse emaranhado de elementos que se fundem, nessa primeira etapa de nossa pesquisa histórica, partindo da macro História para a micro, ou seja, a História regional, como memória e fonte de pesquisa para várias gerações.
           
A CONCESSÃO DAS SESMARIAS DURANTE O PERÍODO COLONIAL

            Em 1500, o "achamento" das terras ao Ocidente, revelou um novo patamar psicológico para Portugal e todo o continente europeu. Financiados pela burguesia emergente, porém sem direitos políticos, os grandes Estados Absolutistas Europeus necessitavam de outros caminhos para preservar seu Mercantilismo e poder real. Portugal se destacou como pioneira nesse processo de busca de novas terras, e principalmente o desafio de colonizar outros povos. Tanto portugueses e espanhóis, ao chegarem a terras nitidamente diferentes da Península Ibérica, entraram em um conflito em relação aos nativos, o que nos remete à questão da alteridade. Como enxergar e compreender seres completamente diferentes? Costumes, cultos e atitudes que não eram contemplados em nenhum código de posturas?
            A primeira atitude de Portugal era tomar apenas o que conheciam do território, ou seja, o litoral. Somente a posse das terras, para que seus concorrentes espanhóis ou ingleses não tomassem parte dessa "conquista". A partir de 1530, a situação mudou. Aos poucos, descobrem-se riquezas da flora brasileira, o pau-brasil, que foi de grande lucratividade para os portugueses, e consequentemente para a Inglaterra, que já estava em prévias de acabar com o feudalismo clássico, e incentivar as corporações de ofício, principalmente na tecelagem.
            Os primórdios da escravidão no Brasil levaram muitos índios a essa condição. Formalmente pela Coroa portuguesa com suas entradas para desvendar e tomar o continente, e as expedições dos bandeirantes, cruéis, racistas e que descobriram metais preciosos pelo interior dos sertões brasileiros. Esse é o outro lado da História. Portugal deveria conservar suas fronteiras o mais a oeste possível, priorizando a parte meridional. Somente tradicionais famílias portuguesas tinham esse direito, confiança por certo da nobreza ibérica. Por todo Brasil foram concedidas sesmarias, para que o Governo Geral pudesse conservar seu poder. Ao sul da colônia não foi diferente. Nossa História regional revela a concessão de uma imensa extensão de terras ao Capitão Mor Pedro Taques de Almeida, no início do século XVIII. A área abrangia boa parte do atual mapa político paranaense. Como e por quem seria administrado esse território?
            Grandes levas de famílias portuguesas vieram para o Brasil, com a iniciativa de conquistar seu espaço. Segundo o jornalista Eduardo Bueno, degredados, criminosos e aqueles que não se enquadravam com o sistema absolutista foram exilados.
            Essas concessões de terras beneficiavam pessoas ligados à política. O Paraná pertencia a São Paulo e as ordens vinham daquela Capitania (São Vicente) e depois Província de São Paulo. Os sesmeiros e seus descendentes formaram uma nobreza rural, conservadora, com cargos militares, diferentes das hierarquias militares de então. Capitão Mor, Sargento Mor, Tenentes, Alferes, Soldados, Alcaides e Almotacés faziam à guarda e administração política, econômica e delinearam certo "código de posturas", para o Pouso que aqui se instalou e Vila Comarca de Curitiba e Paranaguá, pouco tempo depois.
            Pouso de tropas de mulas que vinham do extremo sul do Brasil e América, destinadas à feira de Sorocaba, vendidas para as minas das Gerais ou para os Engenhos de Cana - de Açúcar no Nordeste. Dos hábitos dos naturais da terra, dormiam ao relento tendo por leito os arreios dos cavalos envoltos em pelegos, por travesseiros os lombilhos, por cobertores os ponchos. As tropas de mulas e cavalos, vindas do Sul pernoitavam ao relento, à beira de rios e com a possibilidade de amarrar seus animais e sempre com um cozinheiro, comiam e cantarolavam, ou escreviam para suas famílias. Porém, não somente de passagem e pouso de tropas essa região viveu. Grandes pedaços de terras destinadas naturalmente por ser campos, à criação de gado e uma agricultura de subsistência.

O MUNDO EM 1789

            A Europa vivia um conturbado período de Revoluções feitas pela burguesia, com o grande objetivo de derrubar o Absolutismo Monárquico. França e Inglaterra foram coadjuvantes dessa revolta. Na Inglaterra, burgueses e calvinistas conseguem derrubar o rei e assumir parte do parlamento. Estavam obstinados pelo comércio e germinavam as idéias da 1ª Revolução Industrial. Burgueses, nome pejorativo, não se intimidou com nenhum preceito religioso. Queriam crescer, apesar de não possuírem nobreza alguma, o que era importante na época, mesmo que o fomento de todas as cortes fosse gerado por essa classe de comerciantes, muitos de origem judaica, não mais perseguidos pela Igreja Católica, que fazia "vistas grossas" diante de suas relações comerciais.
            Uma revolução é um processo longo, que é alimentado por vários séculos. Ideologias e grupos isolados permearam suas idéias na chamada "Era das Revoluções", segundo o historiador Eric Hobsbawn. Liberais e Iluministas pregavam o fim do poder religioso e o liberalismo econômico, um grande incentivo à burguesia tão sedenta de poder.
            Na França, a burguesia matou grande parte da corte de Luís XIV, mesmo divididos na minoria burguesa mais rica, os girondinos, e a maioria pobre burguesa, os jacobinos, contudo mais radicais. A burguesia ficou pouco tempo no poder, surgindo com toda força Napoleão Bonaparte como grande defensor da Monarquia.
            Grandes líderes políticos da nobreza européia absorveram ideais iluministas e os puseram em prática em seus governos. Em Portugal, o Marquês de Pombal iniciou reformas radicais na metrópole e na colônia. Um grande ponto foi separar a Igreja do Estado, principalmente na educação, já evidentes suas péssimas relações com os padres jesuítas, mais por elementos comerciais do que religiosos. O liberalismo chegou à corte portuguesa e a Inglaterra se empenhou fortemente na influência nas relações comerciais com Portugal e suas colônias.
            O mundo iluminista chegou ao outro lado do Atlântico. Os Inconfidentes mineiros basearam sua revolta, deflagrada e condenada, em livros e documentos que chegaram da Europa. A Conjuração Baiana, com forte princípio abolicionista, cruelmente detida, prezava a liberdade do homem.
            A Vila de Castro em 1789, já com 20 anos de elevação, iniciava sua Casa de Câmara, entretanto com nenhuma raiz revolucionária. A Câmara funcionava como representante da Corte Portuguesa na região. Cabia ao Juiz Presidente e seus vereadores sanar as deficiências políticas da vila e ficava responsável pela sua organização em todos os setores, inclusive na vida privada de seus moradores. A Igreja gozava ainda de certo prestígio. Os impostos eram pesados e sua cobrança definida de forma sazonal. Ricos e pobres pagavam. Escravos trabalhavam arduamente. Essa afirmação fortemente defendida pelos historiadores contemporâneos é que a escravidão do Brasil Meridional foi violenta e evidente em todas as suas formas de repressão e conflito.
            O contexto europeu do início do século XIX sofria com as guerras internas, principalmente com o domínio napoleônico. Havia um forte revanchismo entre franceses e ingleses. Portugal tinha como principal conselheira a Inglaterra, e por esse motivo foi determinante a influência dessa última para a fuga da Família e Corte Real Portuguesa para a então colônia Brasil. Bonaparte invadiu Portugal e D João VI chega ao Brasil em 1808. Várias mudanças econômicas foram feitas no Brasil, claro que sob grande interferência dos ingleses. Os portos foram abertos e o pacto colonial fora extinto. Contudo, as taxações sobre produtos vindos da Inglaterra eram menores, favorecendo os cofres ingleses.                                                                                                                                          
            Como desvendar esse mundo novo que queria se tornar público com a metrópole? E as relações privadas? O Brasil com seu rei aqui não quer mais ser colônia. Apesar das distâncias territoriais e tração animal como transporte, observa-se principalmente na organização das Câmaras de vereadores e nos órgãos administrativos das províncias certa preocupação com a "pomposidade" da elite e a confiança política apenas nas mãos das famílias tradicionais. Títulos foram concedidos sem quantia. Tudo em troca de apoio à monarquia e nobreza que se instalou na América portuguesa.
            Frei Vicente percebe essa aproximação do público com o privado antes mesmo do início do século XIX:
            “Frei Vicente parece indicar que além de conectadas, as duas faces do público e do privado surgem-nos como invertidas, e isso é apresentado como específico ‘desta terra’, isto é, da colônia”. Fixemos, portanto, nossa atenção na observação do cronista: no mundo colonial, as coisas parecem 'trocadas', e isso causa estranheza, é porque não 'deviam' aparecer desse modo. E assim vamos pegando nas pegadas do cronista, numa das dimensões mais essenciais da colonização moderna. Isso nos lembra os versos em que Gregório de Matos desvela 'a ilusão ideológica que transforma a colônia numa perfeita 'réplica da metrópole':

DO QUE PASSEIA FARFANTE
MUI PREZADO DE AMANTE, POR FORA, LUVAS, GALÕES,
INSÍGNIAS, ARMAS, BASTÕES,
POR DENTRO PÃO BOLORENTO:
ANJO BENTO

           
            O grande ponto foi que a vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil descaracterizou a colônia. No momento da "independência", o povo de certa forma não compreendeu a troca de uma monarquia colonial por um império, conduzido pelo filho do rei, que voltou para Portugal. Percebe-se em algumas atas momentos de rebeldia ou até mesmo passividade por algum "camarista". Segundo o castrense Oney Borba, "as querelas surgidas entre os habitantes dos Campos Gerais eram, em última instância, levadas ao conhecimento do Presidente da Província de São Paulo. As delongas na solução dos causos criavam mal-estar entre as partes, obrigadas pelas circunstâncias a deixar a vila, para em longas distâncias, aguardar o resultado".

O POVOAMENTO DO PARANÁ

A origem ou data exata do povoamento da serra do mar paranaense não é precisa. Paranaguá e Curitiba faziam parte desses novos povoamentos. Portugueses romperam a linha tratada entre lusos e espanhóis e avançaram o planalto paranaense. Delimitado de forma geográfica os Campos Gerais, é iniciado o Caminho de Sorocaba. Desse percurso nasceu a povoação do Iapó (Castro), Carrapatos, Ponta Grossa e Jaguariaíva. Os índios Caingangues ocuparam o território de Castro, Guarapuava e Palmas, que de forma inicial tomaram grande parte do território paranaense. Conflitos e mortes existiram entre nativos e tropeiros, porém devem-se analisar os dois lados. Nas atas pesquisadas, os índios são citados pouquíssimas vezes.

 

DA PESQUISA

            Um historiador é, de certa forma, um garimpeiro. Não procura preciosidades de elite, mas elementos quase que mínimos para poder compreender o todo. A História é um processo lento, gradual, porém dinâmico, envolvendo ao mesmo tempo o todo e suas pequenas partes. São momentos de reconstrução, de olhares sobre o passado com perspectivas daquela época. Tentar compreender a História com os valores de hoje é ser incoerente e anacrônico, e este é o grande erro.
            A cada documento analisado, vislumbramos novos comportamentos que transparecem a opinião da maioria. Porém, cabe ao historiador dialogar com a fonte que não fala por si mesma. Ela necessita de perguntas, de novos olhares, e a partir destes conceber sua opinião ou posição historiográfica.
            Grande parte das pessoas entende a História como fatos distantes do presente, sem conexão com as estruturas atuais. Um forte exemplo é tudo o que diz respeito ao Patrimônio Histórico de uma dada comunidade. Erroneamente, concebemos como herança patrimonial somente os sítios arquitetônicos, que se mostram concretamente. Documentos e suas memórias também fazem parte desse acervo de suma importância para a manutenção da identidade popular.
            Todos nós possuímos uma vasta quantidade de elementos históricos que são relevantes e que deveriam ser remetidos para a construção de nossa cidadania. O tempo é o propulsor da História. Mesmo acontecimentos remotos fazem contato com o presente, e cabe a qualquer pessoa manter esse importante elo entre a sua vida particular e o todo. Não só de grandes heróis se escrevem livros, mas dos mais variados interlocutores dessa corrente chamada vida.

 

DA CRIAÇÃO DA CASA DE CÂMARA

 

            Nos primeiros meses do ano de 1789, a Vila Nova de Castro por ordem do Corregedor da Comarca, Leandro Toledo Rondon, foi criada a comissão responsável pela administração desta. Quatro homens, provavelmente com grande poder e liderança política, dentre os latifundiários da região. O primeiro cargo era de Juiz Presidente, mais três vereadores com idades distintas, cabendo ao mais velho, se necessário, substituir o Juiz em caso de ausência. O último vereador era o Procurador do Conselho, responsável pelos trâmites financeiros entre a Vila, Comarca e Capitania, e décadas mais tarde, Província.
            De forma periódica eram feitas as “correições gerais”, pela vila e seus arredores. Um edital com as normas e atitudes a serem cumpridas era fixado ao público, dias antes da supervisão feita pela Câmara, que ia de casa em casa, estabelecimentos comerciais e casas de manufaturas, para verificar se tudo corria dentro da legalidade exigida pela Justiça Colonial.
            Inicialmente, a vila não dispunha de um sistema regularizado de pesos e medidas. Mais tarde, por exigência da Comarca, criou-se o cargo de aferidor, estabelecendo normas e seus devidos preços. Após a presença do dito, o morador ou comerciante que não estivesse enquadrado dentro das normas deveria pagar multa à Câmara.
            O contato com a Comarca de São Paulo era constante. As Atas não se prendiam em detalhes, no conteúdo das correspondências. Este era objeto de outra tarefa do escrivão da Câmara, priorizando o período de respostas à Comarca, bem como o registro desses documentos nos demais livros. As Atas eram sucintas, detidas mais com os nomes dos componentes da “vereança” e com apenas o que deveria ser deliberado. Os resultados das vereanças, ou seja, dos vários requerimentos, não é visível nos documentos, contudo tem-se idéia de que a concessão de terras dentro do Rocio da vila, nesta última década do século XVIII era o mais preponderante.
             O pedido para construção de moradias, próximas à Igreja Matriz, que estava numa espécie de construção e reforma, foi muitas vezes citado. Os moradores deveriam contribuir de qualquer forma para a construção da Igreja, doando recursos ou oferecendo seus escravos para a construção. Havia uma grande preocupação em manter os habitantes dos Campos Gerais com um serviço religioso e com capelas nos bairros vizinhos: Ponta Grossa, Pitangui e Carrapatos.
            A Religião Católica permeava os cargos públicos de então. O Juramento e a Posse eram necessários sob o aval dos Evangelhos. Uma variedade de cargos se repetia como na Capital da Comarca de São Paulo. Além dos já citados, lembramos os postos de Carcereiro e Porteiro da Câmara, Furriel, que era um guia, Escrivão da Câmara, Ofícios, Notas e Tabelião, Ajudante, Porta Estandarte e Capitão do Mato.
            Observa-se que a Câmara assumia um papel de justiça, administração pública, financeira e criminal. O sobrepeso desses cargos definia a troca constante de pessoas em suas funções. A eleição do “Barrete” era anual e os membros dos cargos que ocupavam o Pelouro também. É importante conceituar as duas variantes dessa palavra. Pelouro era o órgão administrativo, responsável pela condução das penalidades. O Pelourinho era o “tronco” para os castigos. Mas, por peso dos fatos ou pela discrição dos oficiais, as penalidades físicas não eram citadas nas vereanças. A Câmara abrigava a cadeia pública, por isso subentende-se que haviam presos, trazidos ou levados à Curitiba ou a São Paulo.
            A Câmara tinha a responsabilidade de fiscalizar o abate de animais e dos açougues. De certa forma, um controle para a consciência de vários criadores, que naquelas pastagens naturais e longas distâncias, muita coisa poderia ser feita sem o conhecimento da justiça.

 

A QUESTÃO DE GÊNERO

O sexo feminino, naqueles tempos coloniais não possuía liberdades e nem oportunidades de partilhar suas convicções, sejam elas de cunho público ou privado. Procriar, constituir vastas famílias, esperar por muito tempo e por várias coisas. Paz, saúde para os filhos, já que a expectativa de vida, em fins do século XVIII era diferente dos tempos modernos. Filhos não vingavam, doenças estavam presentes e esse mundo, mesmo que longe das elites religiosas, explicava os acontecimentos sob o desígnio de Deus. Escravas, muitas que aqui estiveram, viram, ouviram e até viveram essas formas de preconceito. As livres não se diferenciavam muito. Casar era o grande descanso para qualquer família, principalmente num momento em que a posse das terras deveria ser garantida. Hereditariedades, sucessões no poder. Os documentos nos mostram essa seqüência de laços familiares. Sogros e genros, pais e filhos. Sobrenomes que se repetiram em 35 anos de transcrição.
Os mais abastados tinham o prestígio e acesso aos requintes da Europa. As mulheres mais pobres administravam seu lar com o básico que podiam possuir. Escravos de casa e mucamas acompanhantes eram possibilidades que davam ar de austeridade. Mulheres, casadas ou não, nunca poderiam sair sozinhas. A arquitetura do período colonial demonstra claramente essa preocupação com a sobriedade da inocência e da virtude.
Nas poucas referências femininas descritas nas atas da Câmara da Vila de Castro, algumas viúvas requeriam seus direitos de herança, posse de terras e confirmação do dote, provavelmente para o casamento.

 

A ESCRAVIDÃO

A escravidão aparece de forma clara nos termos das atas, demonstrando a necessidade do trabalho compulsório nas grandes fazendas dos Campos Gerais.
Escravos rurais, urbanos e de ganho sustentaram a mão de obra e a segurança das terras ocupadas pelos primeiros sesmeiros. A proximidade com o Porto de Paranaguá, identifica a relevância da facilidade em adquirir escravos e manter os ladinos, escravos aculturados, e boçais, estes nascidos no Brasil como forte mecanismo da economia colonial portuguesa. O trabalho nas fazendas era realizado pela família proprietária (quando esta ali residia), pelos agregados e, sobretudo, pelos escravos, força de trabalho que incluía negros, índios ou seus mestiços. Os agregados eram homens juridicamente livres e compunham uma camada intermediária entre proprietários e escravos.

 

OS ÍNDIOS

Os nativos dos Campos Gerais eram os Coroados ou Caingangues e também pelos Xavantes. As Atas citam elementos dessa profunda repulsa ao gentio, com a formação das Companhias de Milícias, responsáveis pela guarda das novas conquistas territoriais e conter o avanço indígena. O contato do branco não foi muito amistoso, e dessa forma se concebe a idéia do grande preconceito e perseguição aos “não cristãos”. Segundo o Dicionário Histórico e Geográfico dos Campos Gerais:

A sobrevivência dessa sociedade colonial, tendo base na mão-de-obra escrava, tanto exigiu a incorporação das terras, como forçou a reorganização das sociedades indígenas. Desde o início da expansão e da ocupação do território dos Campos Gerais, no século XVIII, e dos campos de Guarapuava e de Palmas, na primeira metade do século XIX, o trabalho escravo foi um dos destinos dados aos índios aprisionados. Os primeiros registros do contato entre indígenas e criadores de gado nos Campos Gerais datam de 1760. Mas já em período anterior, antes de sua expulsão da colônia portuguesa, os jesuítas haviam construído uma igreja no lugar que então tomou o nome de Igreja Velha, próximo ao Guartelá. Pode-se supor que pretendessem ali realizar a catequização dos índios Coroados, que viviam nos arredores. Os contatos entre grupos colonizadores e os indígenas da região, predominantemente Tupis, foram, com freqüência, conflituosos. O propósito de expansão interiorana da sociedade colonial prescrevia a expulsão dos índios, obrigando suas comunidades a se retirarem para regiões mais afastadas. "A expansão territorial... sempre significou a 'desapropriação' dos aborígines, colocando-os automaticamente no 'mercado' de escravos...”. (IANNI,1962,p.81) Foram constantes as expedições de grupos bem armados, os quais faziam uso de pólvora e de chumbo para afugentar, matar, ou então aprisionar os índios para o trabalho escravo nas fazendas. Saint-Hilaire, com sua visão européia, que valorizava a vida civilizada e incluía preconceitos e moralismo, captou bem o impasse da colonização. As situações de contato desses dois mundos, o "civilizado" e aquele dos então chamados "selvagens", já indicava uma convivência pouco pacífica: "A guerra que se fazia a eles quando por lá passei tornava cada dia mais difícil uma aproximação. Os índios esquecem tudo, menos as ofensas, e mesmo que se desejasse sinceramente viver em paz com eles seria muito difícil fazê-lo compreender isso...” (SAINT-HILAIRE, 1978, p.48).

Uma fonte histórica, mesmo que seja um romance literário, de David Carneiro em “O Drama da Fazenda Fortaleza”, nos traz à tona elementos característicos daquela sociedade com demarcações fortes entre quem mandava e quem obedecia:

 A fazenda Fortaleza possuía seus muros de barro que, segundo Bigg-Wither, por muito tempo vinham resistindo aos ataques de índios. Essa fazenda pertencia a José Felix da Silva, que passava por ser um dos homens mais ricos da Província de São Paulo; fora estabelecida no início do século XIX, tornando-se o forte de proteção dos colonos das proximidades e permitindo que novos moradores se estabelecessem nos arredores. Os índios freqüentemente a invadiam, mas eram perseguidos e mortos pelos homens do coronel e suas mulheres e crianças aprisionadas. Os escravos da fazenda jamais seguiam ao trabalho sem estarem armados. A Carta Régia de cinco de Novembro de 1808, uma verdadeira declaração de guerra aos índios dos campos paranaenses, permitiu o reforço das expedições contra os "bugres", ao ordenar a organização de milícias de moradores locais, com intenção punitiva, legitimando a escravização dos prisioneiros de guerra. Por toda a Província corriam histórias como essas, revelando-se não apenas uma colonização feita com atos de bravura e demonstrações civilizadoras, mas um cotidiano repleto de situações que despertavam o temor daquela gente. Isto, mesmo entre os experientes tropeiros. Os conhecidos confrontos os mantinham atentos, quando percorriam os caminhos e trilhas da região.

 

O PORTO DE JAGUARIAÍVA E A PONTE DO YAPÓ

            A divisa territorial ou da jurisdição de comarcas estava no Porto de Jaguariaíva, rio que abrigava um entreposto de mercadorias que vinham do sul ou de São Paulo. O Rio Itararé era a divisa física. Havia fiscalização e tributação das mercadorias, e cabia ao responsável pela região recolher e encaminhar esse dinheiro para Castro.

Vereança de 1o de janeiro de 1792.

Ao primeiro dia do mês de Janeiro de mil sette centos e noventa e dois amos nesta Villa Nova de Castro em caza da camara onde forão vindos o Juiz Prezidente e mais officiais da camara comigo Escrivão do seu cargo aodiante nomiado e sendo aly se rematou o asougue desta villa as afilaçoins, caza mesma denunciey eu Escrivão de Domingos Pereira Porto por passar para a comarca de São Paulo com duzentos e vinte e hum bois curitibanos, e mandarão elles, Juiz Prezidente e mais officiais da camera vir a sua prezença a Requerimento de mim Escrivão, a Angello da Silva Capitão da mesma boyada, lhe aplicarão o juramento dos Santos Evangelhos em hum livro delles, lhe incarregarão que bem e verdadeiramente declarasse quantos bois levou denunciado Domingos Pereira Porto para a Comarca de São Paulo e vierão colonias ou curitibanos e declarou alli testemunha, que o dito Domingos Pereira Porto levava duzentos e vinte e hum bois todos curitibanos e na mesma forma encarregarão elle Alferes da camara a Joaquim Paes de Souza o qual se for os refiridos bois os são todos curitibanos e mais não disserão, e sendo lhe tido dois juramentos e acharem conforme o que quanto tinhão se asignarão com dito Juiz e mais officiais da camara e Eu João Pereira de Magalhains Escrivão da Camara que escrevi.

Em Morretes, a situação era a mesma. Provavelmente, as mercadorias que vinham da Serra do Mar eram a cachaça, a mandioca e escravos que entravam via Porto de Paranaguá. As tropas faziam o trajeto norte e sul e vice-versa. A preocupação em construir as pontes necessárias e com capacidade para absorver a demanda era constante.
            No caso da Ponte do Rio Yapó, a situação era discutida freqüentemente nas atas, pois em tempos de cheias e chuvas, o caminho se tornava intransitável. Já no início do século XIX, a situação piorou, e por ordens superiores foram designadas pessoas para a construção de uma ponte viável e resistente. O pedágio na ponte foi cobrado e as canoas que passassem pelo rio, no mesmo lugar da ponte, também pagavam tributo.
            Uma curiosidade que a denominação dada ao dinheiro dos impostos era para a “Senhora Santa Anna”, nos parecendo que o quinto real e as pesadas tributações tinham o aval da Igreja e por conseqüência divina. Todo o dinheiro recolhido ia para a Junta Real, protegido e bem guardado “por correntes” mandadas fazer pelo conselho da Câmara.

RELAÇÕES COM A CORTE REAL PORTUGUESA

            A Câmara de Castro em fins do século XVIII e início do XIX estabeleciam contatos periódicos com a Corte instalada no Rio de Janeiro. Esse processo se tornou mais acelerado após a vinda da Família Real para o Brasil, ainda colônia.
            Os nomes são citados regularmente e a referência aos Nobres revelou a presença do Absolutismo, e o poder e direito “divino” da rainha então D Maria I e seu filho D João VI. Nascimentos e casamentos faziam parte das correspondências vindas da Junta Real, obrigando a população a comemorar ou em caso de morte demonstrar seu luto, com atos dignos de “carpideiras”.
            Sobre o retorno da Corte Portuguesa à Europa em 1821 e a Independência de Portugal, mesmo ficando como Imperador o filho do rei, D Pedro de Alcântara, ressalta-se, já nos meses finais do ano de 1823, a necessidade de se elaborar um Projeto de Constituição, para o Novo Império criado. Agora não mais dependente de Portugal, mas interligado de forma nítida com a Inglaterra pelos seus laços comerciais.
            O Juramento à Constituição na Vila de Castro aconteceu em nove de maio de 1824. Verifica-se nas assinaturas, nomes de grandes proprietários rurais e pessoas ligadas à elite do distrito. Muitos não sabiam assinar seu nome, e simbolizaram sua concordância com uma cruz em seu lugar.

O JURAMENTO DO POVO AO IMPERADOR DO IMPÉRIO BRASILEIRO

            No mês de fevereiro de 1823, exigiram-se do povo e da sua elite o juramento e obediência ao Imperador do Brasil, agora “livre” de Portugal:

“as Autoridades Eclesiásticas, Civis e Militares, Clero, Tropa, Nobreza e Povo, todos abaixo assignados, para effeito de se prestar juramento de Obediência e Fidelidade ao Nosso Augusto Imperador, assim da mesma forma que se praticou e se havia praticado e na corte do Imperio no sempre memorável e faustissimo dia primeiro de Dezembro do anno passado, em que felismente sellebrou o Glorissimo Acto da Coroação de Nosso Augusto Imperador, com o que ficaram completos e satisfeitos os vottos de todos os Brazileiros pela Sagrada Cauza da Independencia a que juntamente se propozeram, para serem livres da Escravidam a que os pertencia reduzir o Congresso, de que tem felismente se tem livrado pelas Fatunais Providencias, e emcomparaveis virtudes do Nosso Augusto Imperador, que de huma vês tem fixado a gloria e a grandeza e prosperidade do Brazil”.

 

A PRIMEIRA ESCOLA DE LETRAS DA VILA DE CASTRO

“e sendo ali todos reunidos em acto de camara se despachou hum requerimento para Benedicto Joze Ferreira botar Escola das Primeiras Letras”

            Este requerimento foi feito em 31 de Agosto de 1823. Em 11 de abril de 1824 este requerimento foi deferido “e se concedeu licença a Thomas Nunes Barboza para poder ensinar nas primeiras letras”.

 

O PEDIDO PARA A FORMAÇÃO DA FREGUESIA DE PONTA GROSSA

            Na 2ª década do século XIX, os moradores do bairro de Ponta Grossa já demonstravam o desejo de criar uma comunidade independente de Castro, elevando-se ao posto de Freguesia. O requerimento foi na vereança de 13 de julho de 1823:

“Na mesma se passou huma atesttaçam a requerimento dos moradores de Ponta Groça e Carrapatos sobre a destancia paçagens de rios e suficiência para ali se formar huma Freguezia (...)”.

 

O 7 DE SETEMBRO E 12 DE OUTUBRO

            Duas datas comemorativas aparecem como obrigatórias no calendário do novo Império já formado. O dia 7 de setembro, dia da Proclamação da Independência, e 12 de outubro, sendo o Brasil como Império Católico Apostólico Romano, necessitava comemorar o Aniversário do Imperador, com missas solenes ao Divino Espírito Santo, referenciadas nas Atas de 27 de dezembro de 1823: “com hua portaria para serem declarados dias futuros sete de Setembro e doze de Outubro”.

 

Referências Bibliográficas:

 BIGG-WITHER, T. P. Novo caminho no Brasil Meridional: a província do Paraná, três anos de vida em suas florestas e campos/ 1872-1875. Rio de Janeiro: J. Olympio; Curitiba: UFPr. 1974.

 IANNI, Octavio. As metamorfoses do escravo. Apogeu e crise da escravatura no Brasil Meridional. São Paulo: DIFEL, 1962.

 SAINT-HILAIRE, A. Viagem à Curitiba e Província de Santa Catarina. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1978.

BORBA, O. Os Iapoenses. Curitiba: Lítero-Técnica. Paraná, 1986.

HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO BRASIL: Cotidiano e vida privada na América portuguesa / Coordenador Geral da Coleção Fernando Novais; organização Laura de Mello e Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. Volume 1.

CARNEIRO, D. O Drama da Fazenda Fortaleza. Curitiba, 1941.

ACERVO DO LEGISLATIVO DO MUNICÍPIO DE CASTRO-PR 1789-1824